Pra quem gosta de sonhar...
Em 2001 passei aproximadamente um mês na África, especificamente em  Angola, na cidade do Lubango.
À época o país ainda estava em guerra (que terminou em abril de 2002). A  cidade, como o restante da nação, sofria as mais variadas consequências  do conflito que se iniciara, primeiro em busca da independência de  Portugal, mas que depois descambara num confronto fratricida.
Em meio a tantas dificuldades, observei que havia muitas igrejas de origem protestante na cidade representando várias denominações. Na comunidade onde o grupo que eu liderava trabalhou, muitas eram as atividades desenvolvidas em prol da comunidade como um todo. E em uma cidade sem qualquer tipo de opção de lazer e de cultura, a igreja se tornara um ponto de encontro, um pólo produtor de atividades culturais em suas mais variadas formas: música, dança, teatro, artesanato, etc. Um autêntico oásis num deserto de opções e de carências.
No meio daquele caos social, tive um vislumbre do que entendo ser a  contribuição da igreja ao mundo.
Sonhei uma igreja. O que seria de nós sem a possibilidade de sonhar?
Vamos ao sonho:
Uma igreja cujo templo está localizado no  centro da cidade, de fácil acesso e muita visibilidade.
Suas portas estão abertas diariamente (ao contrário de muitos edifícios  religiosos que funcionam somente nos dias de culto e que no restante do  tempo permanecem trancafiados). Além dos cursos profissionalizantes, do  atendimento aos necessitados, das parcerias com a prefeitura, o estado, o  governo federal e a iniciativa privada, a igreja também possui um  intenso calendário cultural que, diferente de outras que utilizam  somente as datas cristãs para promover seus musicais, abre o espaço de  seu imenso palco a uma programação intensa que contempla todos os  estilos de música. Às quintas, por exemplo, uma camerata se apresenta no  templo com repertório barroco e entrada franca, de modo que os  moradores da cidade que apreciam música erudita têm oportunidade de  assistir um concerto gratuito, além de apreciar os vitrais da velha  catedral protestante, tomar um delicioso café no salão, servido pelos  membros da comunidade, que usam esse tempo como oportunidade para servir  e estabelecer amizades. Sem proselitismo. Sem forçar a barra. Amizade  genuína e desinteressada.
Às sextas a noite são de rock pesado. Os adolescentes e jovens da  igreja, instruídos que são a cultivarem amizades fora dos muros de seu  templo, veem na programação mensal que inclui o concerto de rock uma  oportunidade de convidar seus amigos a conhecer o espaço e ouvir a  música que ambos apreciam. E assim estarem mais perto. Curtirem a  oportunidade de ser gente no meio de gente. Bem ao estilo de Jesus, que  amava as festas e a possibilidade de estar cercado de gente.
No rodízio de programação incluem-se shows de MPB, música alternativa,  música instrumental de estilos variados, palestras sobre música e  cultura, musicoterapia, etc.
Algumas manhãs e tardes são reservadas às exposições: pintura,  escultura, gravura, fotografia.
Há também as mini-temporadas teatrais.
Os saraus, com leitura de poemas.
Os lançamentos de livros.
Quantas opções de difusão de arte e cultura forem concebidas e  viabilizadas.
No espaço singelo de um templo.
No espaço do coração e da mente arejada de uma comunidade que existe  para servir o mundo e contagiá-lo com boas obras, serviço abnegado e  amor sem limites.
Estou perto de despertar de meu sonho quando alguém toca em meu ombro e  diz, “quero agradecer ao pastor da igreja por abrir as portas do templo e  do coração para me receber. Não imaginei que esse espaço pudesse servir  a tantas possibilidades. Qual é mesmo o horário dos cultos aqui?”
Acordo acreditando que a igreja ainda possa ser lugar de encontro, de  acolhimento, de sorriso, de mentes e corações desarmados.
Mas tudo isso ainda é apenas um sonho.
Jorge Camargo

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